3 de maio de 2024
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Agricultura familiar dribla desertificação no Piauí: ‘não paramos de plantar, depois do abandono do Governo’

Deserto de Gilbués — Foto: Washington Rodrigues

A cidade de Gilbués, 850 km ao Sul da capital Teresina, é um dos quatro núcleos de desertificação do Nordeste, apresentando uma das maiores áreas com degradação do solo da região com 7.759,56 km². Atualmente, cerca de 500 famílias sobrevivem da agricultura familiar na região devastada, com plantações de milho, feijão e arroz, melancia, entre outros, mas enfrentam dificuldades para manter a área produtiva.

Os agricultores dizem que dá para plantar e colher com ajuda das chuvas. Mas, se não tiver um período chuvoso bom, as plantações morrem com maior rapidez e facilidade.

Segundo o agricultor que atua em Gilbués, Washington Rodrigues, eles seguem plantando sem o apoio público, mas o custo está saindo caro no bolso de todos.

“Nós não paramos de plantar depois do abandono do Governo, mas encontramos dificuldades. Conseguimos nos juntar para pagar os tratores que ajudam na melhoria do solo, mas na área da irrigação, por exemplo, não estamos conseguindo lidar muito bem, já que a energia fica muito cara”, contou Washington.

O agricultou relatou ainda que não conseguiu pagar a taxa dos poços da Semar (Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí). “Por isso penso que o necessário era ter um incentivo do governo para isso”, afirmou.

Washington destacou também que um incentivo para a construção de barragens em Gilbués seria importante para os moradores que dependem economicamente da agricultura.

O agricultou apontou a piscicultura como uma nova forma de gerar renda na cidade, já que a região possui um mar de água doce abaixo da superfície.

Uma das soluções para auxiliar os serviços dos agricultores locais e reduzir os impactos causados pela desertificação do solo foi a criação do Núcleo de Pesquisa de Recuperação de Áreas Degradadas e Combate à Desertificação (Nuperade), em 2005.

No entanto, o núcleo está com as atividades paralisadas há seis anos. Com essa paralisação e consequentemente a pausa na implantação de auxílios e políticas públicas, agricultores familiares da região precisam arcar com as despesas que transformam a terra deserta em produtiva.

Gilbués em números

Área territorial 3.495.692 km²
Área do núcleo de desertificação 7.759,56 km²
População estimada 10.698 habitantes
Densidade demográfica 2,98 hab/km²

Conforme o ex-secretário estadual do meio ambiente e pesquisador da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Dalton Macambira, os agricultores de Gilbués só conseguem conviver em harmonia com a desertificação se tiverem políticas públicas e assistência técnica do Governo.

“Os agricultores precisam receber algum incentivo para a implantação de recursos que deixam o solo fértil, ou eles só irão receber retorno nas terras menos degradadas. A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Piauí (EMATER) precisa atender essa parte da população, porque além dos materiais, esses agricultores precisam ser orientados sobre maneiras corretas de plantar”, explicou.

“Eles seguem fazendo o processo, mas com o retorno do Núcleo de Pesquisa de Recuperação de Áreas Degradadas e Combate à Desertificação (Nuperade), o processo de plantio e colheita seria mais proveitoso”, completou o pesquisador.

Novas possibilidades

Colheita de melancias em Gilbués, no Piauí — Foto: Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Gilbués

Colheita de melancias em Gilbués, no Piauí — Foto: Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Gilbués

O agricultor José Rodrigues, conhecido como Zé Capenga, planta milho, feijão, mandioca e hortaliças em meio ao deserto que cerca seu sítio. Ele já chegou a plantar arroz, cana-de-açúcar.

Aos 80 anos, o senhor, que também comanda uma boiada, construiu um poço artesiano, que é um grande auxílio para a família e para o plantio.

A mulher do agricultor, Zilmar Barbosa, relatou que após a construção do poço, muitas ações, como construir um canteiro de hortaliças e manter plantações, se tornaram possíveis no terreno do casal.

Histórias como a de seu Zé Capenga mostram que mesmo com as dificuldades de um ambiente onde a origem do nome traz o significado de “terra fraca”, novas chances de plantar na terra árida podem surgir.

Mapa de Gilbués-PI — Foto: g1

Mapa de Gilbués-PI — Foto: g1

O plantio em níveis, por exemplo, atualmente utilizado por muitos agricultores da área, permite que as sementes cultivadas no topo de barrancos não sejam arrastadas para a base do solo durante as chuvas. Dessa maneira, a água se torna aliada, e não inimiga, nas plantações de milho e outros grãos.

Água subterrânea abundante

Gilbués está localizada na área do segundo maior lençol freático do Brasil, e por isso, pesquisadores apontam o aproveitamento da água subterrânea como forma de lidar com o solo desértico.

O município está localizado na conjugação de dois aquíferos que ficam no sudoeste do Piauí: Cabeças e o Pedra de Fogo, segundo o professor da UFPI Dalton Macambira.

Poços jorrantes de Cristino Castro que fica localizado a menos de 200 km de Gilbués — Foto: Patrícia Andrade/G1

Poços jorrantes de Cristino Castro que fica localizado a menos de 200 km de Gilbués — Foto: Patrícia Andrade/G1

Washington Rodrigues destacou que um incentivo para a construção de barragens em Gilbués seria importante para os moradores que dependem economicamente da agricultura. O agricultor apontou a piscicultura como uma nova forma de gerar renda na cidade.

Promessa de revitalização do Nuperade

Ainda em 2021, a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semar) já informava que iria reativar o Nuperade e quase dois anos depois a situação continua a mesma.

Com um novo gestor, o órgão promete novamente a reabertura do núcleo e outras ações para ajudar os agricultores a continuarem produzindo na região deserta.

“Temos uma diretriz para recuperar o Nuperade. Esse tema foi tratado em uma reunião recente do governador Rafael Fonteles, em Brasília, com a equipe da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e logo nós estaremos avançando para a formatação de um plano conjunto entre governo estadual e federal para a retomada do Núcleo de Pesquisa na região de Gilbués”, pontuou o secretário Daniel Oliveira.

Ainda conforme o gestor, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Ministério do Meio Ambiente e Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, farão uma parceria com o governo do estado, juntamente com a Secretaria de Assistência Social e Cidadania (Sasc) para o avanço de políticas sociais e ambientais com relação ao processo de desertificação de Gilbués.

O projeto-piloto irá englobar o Nuperade e outras ações que possam erradicar a pobreza e gerar empregos, com a sustentabilidade ambiental.

O Núcleo de Pesquisa de Recuperação de Áreas Degradadas e Combate à Desertificação (Nuperade), foi desenvolvido em 2005 através de aliança entre governo estadual, federal e universidades regionais. O projeto dedica-se ao estudo do processo de desertificação em cerca de 53 hectares do município de Gilbués.

Fonte; Estagiária sob supervisão de Caroline Oliveira / G1-PI

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