Quem poderia imaginar que um dos lugares mais seguros e tidos como mais “santos” na pequena e pobre Lagoa de São Francisco (no Norte piauiense, a 195 quilômetros de Teresina) poderia ser o centro das atenções de um dos casos mais polêmicos envolvendo acusações de pedofilia na história do estado?
Esse lugar é a igreja evangélica Assembleia de Deus (maior da cidade), localizada na rua Manoel Nogueira Lima, bairro Caixa D´Água, vizinha ao Centro.
Segundo investigações da Polícia Civil do Piauí era lá que o músico gospel e locutor de rádio Wellington Rodrigues dos Santos, 46 anos, mais conhecido por W.S. (já preso), frequentava e ganhava amizade e confiança de pais e de crianças supostamente vítimas de um esquema de pedofilia.
O escândalo que tanto entristeceu a comunidade da Assembleia de Deus, de mais de 200 membros, além de praticamente toda a cidade e o restante do Piauí, traz um misto de vergonha, tristeza e perdão, principalmente aos que fazem parte da igreja, uma das mais tradicionais de Lagoa de São Francisco.
A reportagem de O Olho foi recebida pelo líder dos assembleianos na região, o pastor Erivaldo Bezerra de Carvalho, 54 anos, sendo 13 de liderança evangélica. Ele, que está em sua segunda passagem pela cidade, vive ao lado do templo com a esposa, a missionária e professora Ana Maria de Moura Carvalho, 39 anos, e dois filhos menores de idade.
A Assembleia de Deus de Lagoa de São Francisco fica localizada a menos de cem metros da única instituição policial da cidade: o GPM – Grupamento Policial Militar, que tem duas viaturas (uma praticamente não anda) e, no máximo, três policiais de serviço diariamente.
Fica em uma rua movimentada. Meninas e meninos de pouca idade são vistos transitando tranquilamente quase todas as horas do dia. É uma das edificações que dá ares de cidade pequena à região, só quebrados nos últimos dias com as denúncias do maior esquema de pedofilia já descoberto naquela parte do Piauí. O autor de tudo isso, segundo a polícia, seria W.S., membro da igreja há pouco mais de dois anos.
Envergonhado com o ocorrido, o pastor Erivaldo Carvalho aceitou responder as perguntas e comentar sobre o segundo escândalo de pedofilia ligando membros da igreja nos últimos anos. O primeiro envolveu o também membro e locutor de rádio conhecido por Edirceu (atualmente cumprindo pena na Colônia Agrícola Major César Oliveira por estupro) que também era membro da igreja.
O pastor Erivaldo destacou que a Assembleia é acostumada a receber pessoas com vícios, dependências e que a instituição religiosa pode dar novos rumos aos errados que a procura. É uma forma, seguindo a Bíblia e os preceitos católicos, de ajudar a quem precisa.
Perguntado sobre o que acha de que um homem acusado de pedofilia, inclusive contra próprias meninas da igreja, frequentar livremente cultos e nunca ter sido descoberto, o pastor enfatizou que é um caso terrível. Destaca que W.S. tinha um comportamento diferente e que desde a denúncia do primeiro caso de violência sexual contra meninas da cidade – que era cantora do grupo da própria igreja – a Assembleia de Deus de Lagoa de São Francisco deu todo o apoio às vítimas.
“Ele (W.S.) frequentava a igreja duas vezes por semana (nos cultos públicos e quartas e domingos à noite), tocava, mas não era muito de orar. Sequer contribuía com dízimo”, diz o pastor.
Segundo o delegado Genival Vilela, responsável pela chefia das investigações dos casos de pedofilia na cidade, dos cinco crimes de abuso sexual já imputados a W.S. (quatro com inquéritos concluídos e um em apuração) somente um não envolvia meninas ligadas à Assembleia de Deus.
PASTOR NEGA QUE ABUSOS SEXUAIS ACONTECIAM DENTRO DA IGREJA
O pastor Erivaldo nega que algum dos abusos sexuais imputados a W.S. contra meninas membros da igreja tenham ocorrido dentro da instituição religiosa. Ele confirma que algumas vezes o acusado chegou a ensaiar com membros da banda, mas que a maioria dos ensaios ocorria na residência de W.S. ou na residência das vítimas.
A polícia está investigando se ocorreram abusos na igreja. Só confirma que abusos teriam ocorrido na rádio comunitária da cidade.
“Hoje a igreja faz um clamor público para esse caso ser resolvido. Estamos orando muito”, destacou o pastor, complementando que após esse escândalo os membros terão ainda mais observância dos atos e atitudes, principalmente dos membros mais novos.
Perguntado qual a lição tira disso tudo o pastor Erivaldo remete à Bíblia lembrando que até Jesus Cristo foi traído (por Judas). “Os casos de traição se repetem”, lamentou.
ACUSADO DE PEDOFILIA FOI EXCLUÍDO DA IGREJA, MAS PODE VOLTAR A FREQUENTAR DEPOIS
As opiniões mais contundentes vêm da missionária Ana Maria de Moura Carvalho, esposa do pastor Erivaldo. Ela destaca sobre o comportamento do acusado e também traz contundente depoimento sobre o que teria ocorrido.
pastor e a missionária estão de mudança da cidade – morarão em Cristino Castro, Sul do Piauí. A transferência dele já era certa mesmo antes do acontecimento das denúncias dos estupros, envolvendo membro como acusado e fiéis, como vítimas. A missionária destaca que um dos últimos atos do casal é deixar a igreja de volta à paz.
Oficialmente o acusado de pedofilia contra crianças membros e não membros da Assembleia de Deus de Lagoa de São Francisco, Wellington dos Santos, não faz mais parte da igreja. Após sua prisão o conselho da instituição religiosa, formado por homens de mais idade e com mais tempo de igreja se reuniu e colocou em ata a exclusão de W.S. Na Assembleia de Deus o procedimento é chamado de “disciplina”.
O pastor Erivaldo destaca que, nos trâmites da igreja, Wellington dos Santos, se um dia quiser e mostrar arrependimento, pode voltar a frequentar a igreja.
A missionária Ana Maria Carvalho, assim como o pastor, perdoa o acusado, mas diz que talvez toda a igreja não o perdoará. “Dificilmente ele voltará. Perdoar é uma coisa, conviver é outra completamente diferente. Temos de perdoar, pois não somos dignos de ir contra a palavra de Deus que prega o perdão”, justificou utilizando a Bíblia.
A esposa e a filha de Wellington dos Santos, de 11 anos, continuam frequentando a Assembleia de Deus. Na segunda ida da reportagem à igreja (foi antes de um culto) tudo parecia normalizado, inclusive a igreja sendo frequentada por várias crianças.
A igreja e Lagoa de São Francisco, apesar do surgimento de novos casos de pedofilia começando a ser denunciados e envolvendo outras pessoas da cidade ganharem as conversas públicas e começarem a chamar a atenção da polícia, tenta voltar a ser uma cidade normal, talvez a única diferença de antes é que seja longe da pedofilia.
Fonte: O Olho