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Jacobina do Piauí
6 de dezembro de 2024
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Como é o dia a dia da população que vive sem energia elétrica na região de Paulistana; Veja fotos e vídeos!

A vida do sertanejo piauiense segue, com ou sem energia elétrica. Com chuva ou na seca. Pois, como apregoou Euclides da Cunha na obra Os Sertões, primeiro livro-reportagem na história do Brasil, o sertanejo é um forte.

Sociedade do Candeeiro.

Mas como é o dia a dia da população do Sertão piauiense que vive sem energia elétrica? Quais são suas diferenciações para quem tem o conforto de uma geladeira, de uma máquina de lavar, de um ventilador e de uma TV ou de outro eletrodoméstico?

O Piauí tem quase 72% de seu território em áreas do Sertão (também conhecido por Semi-árido) e abrange 151 municípios (dos 224). Das mais de 40.000 pessoas do estado ainda sem energia elétrica em casa (aproximadamente 1,3% da população piauiense) quase toda está na região sertaneja, compondo o chamado Piauí às escuras.

São cidadãs e cidadãos que diariamente têm seu conforto, sua paciência e suas rotinas modificados e prejudicados pelo simples fato de não poderem contar com um eletrodoméstico.

Ainda fazem parte da sociedade do candeeiro, instrumento de iluminação artificial, usado para sanar a falta de iluminação nas residências dos sertanejos piauienses que vivem às escuras.

Desde o início deste Século que boa parte desses sertanejos pode comprar eletrodomésticos. Quase a totalidade está inserida nos programas sociais de melhoria de renda proporcionados pelo Governo Federal. Mesmo com dificuldades podem comprar, em várias prestações, nas lojas de departamento, que atualmente têm representantes ou lojas volantes em todas as cidades do Sertão piauiense.

Jumento ainda tem serventia nessa parte do Brasil.

Mas para essa parte da população ter uma geladeira, um ventilador, um ferro de passar, uma TV ou qualquer outro aparelho elétrico, é comprar um instrumento decorativo. Por conta de não terem energia elétrica em suas casas não podem usufruir dessas modernidades. Suas vidas, apesar de seguirem seus rumos, ficam muito mais complicadas e uma simples atividade doméstica pode demorar horas.

“A gente fica muito ansioso quando a gente não tem uma coisa e fica avexado para ser beneficiado com ela”, foi assim que o agricultor Milton Onofre da Costa, destacou a ansiedade dos sertanejos da região que compreende os limites das cidades de Jacobina do Piauí, Paulistana e São Francisco de Assis do Piauí para com a concretização das promessas de terem energia elétrica.

Há vários anos que o refrigerante faz parte dessas famílias. Mas apreciar esse tipo de bebida, ou até um suco de pacote (dos artificiais) é possível, mas tudo muito quente. Os alimentos têm de ser consumidos na hora, pois não há como guarda-los. As roupas são engomadas no centenário ferro a brasa. E para os mais calorentos o único jeito é dormir debaixo de uma árvore, pois ventilador não funciona. Mas, dependendo do lugar, os mosquitos não deixam. Aí, para o sertanejo, o jeito é dormir no meio do calor.

Osvaldo Mamédio: poucas horas de energia solar por dia para usar a Internet e denunciar problemas do Sertão do Piauí.

“Para quem mora na cidade, isso parece não fazer diferença, mas espere só dormir um dia nessas condições, viver nessa situação. Da gente não poder apreciar um negócio que envolve energia elétrica, mesmo tendo, com dificuldades, comprado uns negocinhos para a casa”, foi assim que o líder comunitário Osvaldo Mamédio da Costa definiu a rotina dos sertanejos que vivem às escuras no Piauí. Ele é uma das lideranças que mais lutam pela instalação de energia elétrica na região de Paulistana.

Cansado de esperar, Osvaldo Mamédio montou uma geringonça via energia solar, que abastece uma bateria de veículo. Esse sistema consegue fornecer alguns instantes de energia (convertido em outras baterias – já que a voltagem da energia captada é diferente da específica para funcionar aparelhos elétricos normais) e consegue ter energia para poder funcionar seu aparelho celular e seu notebook (o único computador em dezenas de quilômetros conectado à Internet).

A dura espera do sertanejo piauiense pela energia elétrica.

Esse sistema o conecta com o mundo, às vezes por menos de uma hora por dia, mas é assim que ele cobra, semanalmente, a instalação de energia na região e se informa sobre editais e programas para a sua comunidade.

MARTÍRIO NÃO TER UM SIMPLES ELETRODOMÉSTICO

Mas para quem mora nas regiões ainda não abrangidas pelo fornecimento de energia elétrica no Sertão do Piauí termina sendo um martírio não ter um simples eletrodoméstico.

Josefa Alencar: sem ventilador, geladeira e TV.

Na visitas às 37 comunidades de Paulistana e São Francisco de Assis do Piauí (duas das cidades com mais problemas de energização de localidades rurais no estado) constatou-se rotinas já vencidas há quase meio século nas zonas urbanas das cidades médias e grandes do Piauí e bem raras em várias zonas rurais do estado já eletrificadas.

“Estamos no meio da energia, mas nem ventilador a gente tem”, foi assim que começou depondo a dona de casa Joana Josefa de Alencar, 43 anos, moradora da localidade Roça Nova, em São Francisco de Assis do Piauí.

Desde junho de 2010 que há a promessa da instalação de energia elétrica em sua casa. Em janeiro de 2014 colocaram um poste ao lado de sua residência. A promessa de 30 dias de instalação já passou dos 480 dias e mais que os dias a dona de casa lembra de como é passar calor. Perguntada como faz, ela disse que fica no calor mesmo. Indagada como como faz para tomar água gelada, diz que não toma, que se bebe a água quente, vinda de um pote. “E é o jeito”, lamenta.

As opiniões são as mesmas das famílias visitadas. A simpatia apresentada por todas só é quebrada quando são perguntadas sobre a energia. Os sertanejos se entristecem e lamentam.

COMO USAR TELEFONE CELULAR NOS LUGARES EM QUE NÃO HÁ ENERGIA ELÉTRICA NO SERTÃO DO PIAUÍ?

Celular entre adolescentes do Piauí às escuras: principal serventia é o jogo.

O celular é o aparelho mais usado pelos sertanejos do Piauí às escuras. Os sertanejos fazem uma série de peripécias para poder carrega-los e tê-los disponíveis em casa para poder se comunicar fonadamente com o mundo.

Praticamente todas as residências visitadas têm um aparelho celular, que termina sendo um aparelho fixo, já que os sinais de telefonia móvel só chegam àquela região do Piauí via antenas de telefonia rural.

O sistema consiste na instalação de um antena (muito parecida com a uma de televisão). Ela é conectada a um fio, que potencializa o sinal via um pequeno cabo. Somente celulares da LG são compatíveis com o sistema (por conta da entrada de conexão do cabo), o que faz a marca ser uma unanimidade entre os moradores dessa região sertaneja.

Os celulares são carregados de duas maneiras: já que há poucas casas com sistema de energia solar. Boa parte cabe aos estudantes: que levam os aparelhos domésticos para as escolas e os conectam às tomadas. Em Paulistana e São Francisco de Assis do Piauí todas as unidades escolares em funcionamento já têm sistema de energia elétrica. O outro sistema é levar os telefones para serem carregados nas casas de parentes ou conhecidos na região, já beneficiados com energia elétrica.

Mariuva e o celular: sente falta da Internet.

Um ponto interessante sobre os celulares são suas serventias. Entre os jovens não servem basicamente para ligar, e muito menos para acessar redes sociais, já que o acesso à Internet é muito distante para eles. Mas o principal objetivo são os jogos que vêm embutidos nos aparelhos.

A estudante Mariuva Joana de Alencar, 17 anos, já no terceiro ano do Ensino Médio, disse ter celular mais para jogar e ligar. Ela não sabe o que é Whatsapp (a febre do momento nas redes sociais) e também disse saber o que é Facebook, mas não o usa. Perguntada se gostaria de ter um celular para acessar Internet, disse que sim, pois gostaria de estar conectada ao Mundo.

Os pré-adolescentes Wagner Rodrigues de Alencar e Ilaelson Vieira da Silva, ambos de 13 anos, prendiam o centro das atenções de vários garotos em uma roda no povoado Abelha Branca. Eles, cada um com seus celulares, disputavam jogos eletrônicos. Eram admirados pelos amigos, principalmente por serem os únicos garotos a terem o aparelho. “A gente joga Ben 10 ou corrida de moto”, falou Wagner Alencar. Os dois disseram saber o que é Facebook, mas que não são usuários.

NOVELA, TELEJORNAL? O QUE É ISSO?

O que é uma novela? O que é um telejornal? Quem são os principais apresentadores da televisão brasileira? Quem é Sílvio Santos? Quem é Faustão? Qual a novela das nove da Rede Globo? Essas são perguntas bem fáceis de serem respondidas por quase todas as pessoas do Brasil, mas para quem mora na região do limite que compreende os municípios de Jacobina do Piauí, Paulistana e São Francisco do Piauí, que abarca quase 40 comunidades rurais, são perguntas difíceis de serem respondidas por muitas pessoas.

Em alguns lugares do Brasil não saber o que passa na TV não é sinal de ignorância, mas sim de uma opção por não querer consumir esse tipo de produto midiático. Na região visitada não há a escolha de querer saber. O desconhecimento é porque em praticamente todas as casas não houve nunca um aparelho de televisão. Todas as notícias da região, do estado, do país e do Mundo são acessíveis apenas por rádios a pilha. Em muitos casos, dependendo do mês e da utilização do aparelho, passa-se dias sem saber notícias, já que, por questões financeiras as pilhas são economizadas, ou quase usadas demais, terminam por não dar o mês todo de utilização.

Cria-se uma sociedade muda, inclusive com menos possibilidade de tomar conhecimento dos direitos e deveres. O rádio, as conversas, as formações políticas e religiosas ajudam a suprir as informações midiáticas, mas esse é um Piauí que além de estar às escuras, muitas vezes tem as informações chegando com mais atraso ou sequer chegando.

DESTINO PARA MUITOS HOMENS: TRABALHAR EM OBRAS OU LAVOURAS DO SUDESTE. DESTINO DE MUITAS MULHERES: SER VIÚVA DE MARIDO VIVO

Vivendo entre o paradoxo da modernidade nas proximidades de casa e as tecnologias do século XX (ou a falta delas refletindo o século passado) a maioria dos jovens das comunidades visitadas pela reportagem que não são beneficiados pelo Luz Para Todos terminam com um futuro, segundo eles mesmos, cheio de incertezas.

No Piauí iluminado pelas velas à noite: iluminação de consciência de futuro via estudos está meio apagada.

De todos os mais de 40 jovens ouvidos, a maioria em idade escolar, nenhum anunciou que pretendia fazer universidade. Mesmo informados sobre os programas de cotas para estudantes de escolas públicas o interesse de ser graduado não apetecia os jovens.

Perguntados sobre o que achavam o futuro quase a totalidade afirmou que São Paulo era o destino. E São Paulo, para quem não tem muito estudo e geralmente tem experiência apenas em agricultura, termina tendo dois grandes caminhos: ser servente de pedreiro em obras dos grandes centros, ou então trabalhar em lavouras (geralmente cana-de-açúcar e laranja) do interior paulista.

O desinteresse dos jovens em fazer um curso superior os transforma em alvos fáceis dos aliciadores de trabalhos semi-escravos. Semanalmente saem de Paulistana (a 460 quilômetros de Teresina) dois ônibus com 50 passageiros, cada. Os destinos são periferias urbanas e lavouras. Um aliciado termina convencendo o outro e assim é criado um ciclo.

Para as mulheres o destino termina sendo o contrário em termos de mudança de lugar. Geralmente casam cedo, têm filhos mais cedo ainda e ficam em casa esperando os maridos voltarem. Às vezes passam de mais de seis meses sem contato direto com os esposos. Esse é um fato que faz as comunidades sertanejas visitadas terem, de cada dez pessoas, ao menos sete mulheres.

Nos períodos de colheita de laranja e de corte de cana-de-açúcar a população masculina dessas comunidades fica muito menor ainda em termos de presença masculina. Quase todos com idade entre 18 e 35 anos tentam a vida fora.

Necessidade de iluminação urgente para fixar as gerações de sertanejos às escuras em suas regiões.

Em 2015 o fluxo migratório tende a ser menor, pois a safra 2014-2015 foi considerada muito boa, mas, a garantia de tecnologias e de melhores plantios continua sendo prejudicados com a falta de energia elétrica. “Ao menos lá a gente pode usar um celular, um computador, poder comer alguma coisa esquentada no microondas e tomar algo gelado na hora”, complementou Antônio Coelho, 21 anos, que tem somente o primeiro ano do Ensino Médio e uma passagem por São Paulo a duros trabalhos na construção de prédios da capital paulista.

A energia elétrica não é uma garantia de certeza de mudanças, mas pode ajudar a fixar mais ideias e, principalmente a estimular a nova geração a pensar em sua terra, a compreender que pode ser na comunidade o redentorismo para sua felicidade.

 

 

Fonte: O Olho

Texto, fotos e vídeos: Orlando Berti*, da região entre os limites dos municípios de Jacobina do Piauí, Paulistana e São Francisco de Assis do Piauí

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