25.5 C
Jacobina do Piauí
28 de junho de 2025
Cidades em Foco
GeralInternacionalNordeste em Foco

Precarização disfarçada de autonomia, esta é a realidade dos motoristas de aplicativo

UBER - Foto: Reprodução

Nos últimos anos, os motoristas por aplicativo ganharam espaço nos grandes centros urbanos, inclusive em Teresina, proporcionando uma alternativa de renda para muitos brasileiros, especialmente em momentos de crise econômica. No entanto, por trás da proposta de horários flexíveis e da autonomia, essa modalidade de trabalho tem exposto os motoristas a condições precárias, caracterizadas por jornadas exaustivas, remuneração instável e falta de suporte institucional. Em Teresina, a situação não é diferente, e relatos de trabalhadores ilustram os desafios enfrentados diariamente.

Neste Dia do Trabalho, celebrado em 1º de maio, o Jornal O Dia traz uma discussão sobre as condições de trabalho vivida pelos motoristas de aplicativo. Uma realidade árdua e pouco valorizada e remunerada. Pedro Carvalho, de 53 anos, assim como diversos outros teresinenses, viu no transporte por aplicativo uma saída diante da crise econômica. Ex-operário da construção civil, com mais de 28 anos de experiência na área, ele perdeu o emprego durante a pandemia, quando as obras foram paralisadas. “Como a construção civil parou, muitas pessoas perderam o emprego. Foi quando decidi entrar no aplicativo, como uma maneira de ter dinheiro até encontrar outro emprego na minha área”, relata.

No entanto, o que seria provisório tornou-se uma nova trajetória profissional. “Acabei achando interessante trabalhar como motorista de aplicativo e continuei. Inclusive, já cheguei a receber propostas para a construção civil, mas recusei”, conta. Para Pedro, a principal vantagem está na autonomia: “Escolho o horário que vou trabalhar, consigo resolver minhas coisas quando preciso, e se fosse em um emprego formal, eu não teria essa liberdade”.

Mesmo com os desafios financeiros, Pedro consegue manter as despesas da casa. “Às vezes, fica apertado, mas como minha esposa também trabalha, conseguimos pagar todas as contas.” A rotina, no entanto, é intensa: são cerca de sete horas por dia, divididas entre manhã e tarde, e sem folga na semana. Ainda assim, ele afirma que o trabalho atual é menos exaustivo do que o da construção civil.

Inicialmente, Pedro trabalhava dirigindo carro, mas os custos elevados com combustível e manutenção o levaram a optar pela motocicleta, que garante um lucro maior. Ele também já enfrentou dificuldades sérias: em 2019, sofreu um acidente de moto enquanto fazia entregas por delivery e precisou passar por duas cirurgias. Na época, ainda contribuía com a Previdência, o que lhe deu acesso aos benefícios do INSS. Hoje, segue nas ruas, equilibrando liberdade e sacrifício em busca de dignidade.

Já Renan Coimbra, 23 anos, começou a trabalhar como entregador de delivery em 2022. Ele trocou o emprego formal em um supermercado pela vida de entregador por aplicativo, motivado por um vídeo nas redes sociais. “O motorista por aplicativo informava quanto havia faturado em apenas um dia de trabalho. O valor e o modo de trabalho chamou minha atenção”, relembra. Convencido, pediu demissão e embarcou na nova rotina.

Desde então, trabalha todos os dias, sem folgas. Sua rotina começa cedo, às 6h30, e vai até 15h. Após um breve descanso, retorna às ruas às 19h e segue até meia-noite. Mesmo com o cansaço acumulado, afirma que não voltaria a um emprego com carteira assinada. “Aqui a gente tem liberdade, fazendo nossos horários. É cansativo trabalhar de domingo a domingo, mas se a pessoa se dedicar, dá para tirar um valor bom no final do mês”.

As dificuldades, no entanto, são muitas. Renan enfrenta a exposição ao sol, à chuva, o risco constante de assaltos e acidentes, além da ausência de pontos de apoio. “Se tivéssemos um ponto de apoio para aguardarmos as chamadas, com banheiro, local para carregar o celular, com cobertura, seria bom e ajudaria bastante”, diz. Ele também sugere incentivos, como promoções para quem atinge metas.

Sobre a remuneração, o entregador explica: “Nosso pagamento é feito pelo quilômetro percorrido, sendo pago R$ 1,50/km, com taxa mínima de R$ 6,50 até 4km.” Contudo, esse valor nem sempre cobre os custos, principalmente quando é preciso voltar sem outra entrega. “Não compensa fazer várias entregas ao mesmo tempo, pois o aplicativo só paga uma e a outra sai de graça”.

“Sair do aplicativo e ir trabalhar como CLT não compensa”

Desde 2019, Ricardo Evangelista, de 38 anos, trabalha como motorista por aplicativo em Teresina. A decisão veio após um período de desemprego. “Gosto de dirigir, então juntei o útil ao agradável, dirigir para ganhar dinheiro”, explica. No início, o trabalho era mais rentável, exigindo menos esforço para alcançar um bom lucro. No entanto, com o passar dos anos, a realidade mudou.

Hoje, Ricardo relata que o valor das corridas caiu significativamente, e a concorrência com motociclistas por aplicativo tornou o mercado ainda mais difícil. “Antes, fazia poucas corridas e conseguia ter um bom lucro. Hoje é o contrário, a gente tem que trabalhar mais e está ganhando menos.”

A redução na remuneração obrigou Ricardo a aumentar sua carga de trabalho. Ele atua em média 12 horas por dia, todos os dias da semana, em busca de atingir suas metas financeiras. Sua rotina é pautada por metas diárias. “A minha meta é R$ 400 por dia. Com gasto de R$ 150 de gasolina, e os R$ 250 que sobra, R$ 50 é destinado para alimentação, e o lucro é R$ 200.”

Esse valor, segundo ele, é reservado para futuras manutenções do carro ou outros imprevistos. No entanto, ele ressalta que esses custos variam bastante, dependendo do modelo do veículo e da frequência de uso. Apesar das dificuldades e da exaustiva jornada, Ricardo não considera voltar ao mercado formal.

“Sair do aplicativo e ir trabalhar como CLT não compensa, exceto se for para ganhar acima de R$ 3 mil, porque ganhar um salário mínimo, trabalhando no mercado formal, é muito pouco. Está muito difícil [ser motorista de aplicativo], mas não penso em trabalhar CLT tão cedo”, disse. Segundo ele, com esforço e dedicação, é possível fazer um salário mínimo em cerca de dez dias de trabalho. Essa precarização do trabalho dos motoristas por aplicativo em Teresina é evidenciada por diversos fatores, como a falta de regulamentação específica para a categoria que resulta em condições de trabalho desfavoráveis e inseguras.

Segundo Érico da Luta, presidente da Cooperativa de Transportes por Aplicativos do Piauí (Coopertapp-PI), os trabalhadores não têm direito à previdência, aposentadoria, férias, hora-extra remunerada, entre outros benefícios. “Poucos [trabalhadores] querem falar da sua situação, mas existe essa realidade, da precarização disfarçada de autonomia, com o discurso de que o trabalhador pode trabalhar a hora que quer, sem chefe, mas eles não veem e não têm consciência de que estão se submetendo a 10, 12 horas de trabalho para poder ter um valor mínimo no final do dia. Muitas vezes é um caça-níquel. Há dias que a plataforma oferece uma boa taxa, mas tem dias que o valor cobrado é muito alto e o trabalhador acaba não tendo tanto lucro”, explica Érico da Luta.

Trabalhadores mobilizam-se e pedem melhores condições de trabalho

A segurança é uma preocupação constante para os motoristas por aplicativo em Teresina. Casos de assaltos e até homicídios têm sido registrados, gerando apreensão entre os profissionais. Em dezembro de 2024, a morte do motorista Marcos Vinícius Cordeiro, vítima de latrocínio, mobilizou a categoria.

Em resposta a essas e outras demandas, no dia 31 de março, motoristas por aplicativo e que atuam no transporte de passageiros, organizaram manifestações exigindo medidas de segurança, como a instalação de botões de pânico nos veículos, criação de uma Delegacia Especializada no Combate aos Crimes contra Trabalhadores de Transporte por Aplicativos e isenção de impostos para aquisição de equipamentos de segurança.

No Piauí, há mais de 10 mil trabalhadores em aplicativo, segundo a associação representante da categoria. O grupo reivindicou ainda o aumento da taxa mínima de entrega dos aplicativos de comida de R$ 6,50 para R$ 10, além do reajuste da taxa mínima dos transportes por aplicativo para R$ 6 ou R$ 7, bem como o reajuste do km rodado de R$ 1,50 para R$ 2,00.

Projeto discute melhores condições para os motoristas por aplicativo

Diante da situação, algumas iniciativas estão sendo discutidas para melhorar as condições de trabalho dos motoristas por aplicativo. A proposta de regulamentação da profissão, em tramitação no Congresso Nacional, busca garantir direitos trabalhistas básicos, como acesso à previdência social, aposentadoria e férias.

“Há um movimento, de iniciativa do Governo Federal, para discutir sobre a situação dos motoristas de aplicativo. O projeto quer dar os direitos básicos, mas os trabalhadores querem mais, querem um seguro contra acidentes, que poderia ser coberto pela plataforma ou como uma contribuição dentro do que o governo está pedindo. O trabalhador precisaria entregar 7,5% do seu rendimento, e a plataforma 14%, totalizando 21%, para terem acesso aos direitos previdenciários, como aposentadoria, auxílio-doença e férias. E queremos algo mais, como a isenção na compra da motocicleta, similar ao que acontece com os taxistas. Esse é um importante impasse, porque o governo não quer dar”, comenta Érico da Luta.

No dia 23 de abril deste ano, foi realizada uma audiência da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados visando o apoio aos trabalhadores que usam motos e bicicletas para a entrega de encomendas feitas por aplicativos. Na pauta, o secretário nacional de economia popular e solidária do Ministério do Trabalho, Gilberto Carvalho, chegou a anunciar uma nova mesa de negociação em busca de um projeto de lei que garanta autonomia com direitos, transparência de cálculos, previdência, pontos de apoio e descanso, financiamento da renovação de frota de motos com recursos do BNDES e, principalmente, preço mínimo para cada entrega.

Além disso, a Câmara dos Deputados já analisa uma proposta do Executivo (PLP 12/24) com foco apenas nos motoristas de aplicativo. O coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Motoristas de Aplicativos, deputado Daniel Agrobom (PL-GO), prometeu engajamento na aprovação de outros dois projetos (PL 3598/24 e PL 3683/24) que melhoram as condições de trabalho dos entregadores.

De imediato, a categoria exige mínimo de R$ 10 por entregas de até 4 km, R$ 2,50 por km adicional, máximo de 3 km para entregas com bicicleta e valor integral para rotas agrupadas com várias entregas. O diretor de impacto social da iFood, Johnny Borges, fez promessa de reajuste e chegou argumentar que a empresa, desde 2022, tem dado aumentos significativos no ganho dos entregadores, e que, ainda no primeiro semestre de 2025, a corporação irá anunciar um novo ajuste para os entregadores.

Fonte: O Dia

Notícias relacionadas

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Se você está de acordo, continue navegando, aqui você está seguro, mas você pode optar por sair, se desejar. Aceitar Leia mais