Um dos pontos-chave da política de desenvolvimento do Governo Federal (plenamente apoiado por quase todos os governos estaduais e municipais) no Brasil é tentar trazer o homem de volta ao campo. Outra estratégia é manter quem já está nas zonas rurais. Evita-se o êxodo rural e tenta-se mostrar que atualmente vale a pena continuar alavancando a agricultura e a pecuária, principalmente em âmbitos familiares e comunitários.
A dotação de recursos com financiamentos via instituições bancárias; projetos de desenvolvimento via órgãos estatais; fomento via organizações do terceiro setor têm alavancado os avanços sociais, econômicos e comunitários em muitas zonas rurais brasileiras. O Nordeste, principalmente em sua região de Sertão, é um dos alvos prioritários por sua história de exclusão social e êxodo rural.
O Governo Federal cumpre sua parte em vários desses lugares do País, dotando bilhões de reais para a compra de insumos, desenvolvimento e transferência de novas tecnologias, incentivo a programas de distribuição de renda e liberação de seguros menos burocráticos para regiões envoltas a seca e tragédias naturais.
Mas em alguns outros, como o povoado Abelha Branca, zona rural da cidade de Paulistana (a 460 quilômetros de Teresina) em vez dos moradores, que padecem há décadas com a falta de energia elétrica, serem beneficiados com tamanha atenção estatal, estão é perdendo projetos importantes para o seu desenvolvimento.
Quase R$ 400.000,00 foram deixados de ser recebidos este ano em Abelha Branca. A comunidade terminou sendo excluída de um dos projetos de ponta do Governo Federal, que é o Repalma, pela única justificativa de não ter energia elétrica.
O Repalma prevê a criação de unidades de excelência para o cultivo e multiplicação da palma, planta típica do Nordeste. Ela serve para a alimentação de bovinos, caprinos e ovinos, principalmente no período da seca. É revolucionária porque ajuda na garantia da alimentação dos animais nos períodos mais conturbados e porque a palma que é usada no projeto é certificada e livre de fungos.
O Governo Federal busca lugares para instalação de roças experimentais e distribui vários recursos para essas lavouras. Abelha Branca tinha tudo para ser beneficiada com esse projeto e os quase R$ 400.000,00 poderiam ajudar no redentorismo daquela comunidade.
Desde o ano passado que a Associação de Moradores de Abelha Branca, localizada a 48 quilômetros da sede de Paulistana, pleiteia para a região o Repalma. A associação é conhecida em toda a região por sua organização comunitária e pelo beneficiamento de outros projetos estatais. Mas, por não ter energia elétrica, o povoado ficou de fora dos recursos, mesmo tendo sido uma das mais pontuadas no processo seletivo do Repalma.
“Esse é o segundo projeto que a gente perde por não haver energia elétrica na comunidade”, lamentou o presidente da Associação de Moradores de Abelha Branca, Osvaldo Mamédio da Costa, bem em frente a única planta de palma da região, que foi plantada no quintal da residência de seu pai.
PERDA DE RECURSOS PARA PROJETO REVOLUCIONÁRIO
A perda de quase R$ 400.000,00 pela comunidade Abelha Branca fez as mais de 70 famílias do lugar não só deixarem de receber importantes e mais que bem vindos recursos, mas também de participar de um projeto revolucionário hoje bancado pela Codevasf – Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba.
O projeto traria o manejo de novas técnicas de lavoura, o que permitiria mais renda para a comunidade. Além disso os insumos do projeto beneficiariam todas as famílias, que teriam o início da mecanização de suas lavouras.
A comunidade deixou de receber diretamente R$ 337.000,00, além de outras melhorias, que representariam, diretamente, os quase R$ 400.000,00.
O dinheiro seria usado para comprar um trator equipado com arador, nivelador, secador de três linhas, uma adubadeira e uma carreta, além da perfuração de um poço artesiano e uma rede monofásica com transformador de 6 Kwa.
O projeto em questão colocaria a comunidade na chamada Rota do Cordeiro (que atualmente compreende municípios do Piauí, Ceará, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Paraíba) já que uma das vocações econômicas é ovinocaprinocultura. Hoje as centenas de cabeças de bode da região são criadas soltas, vagando pelas pastagens do tempo.
Em um projeto anterior a comunidade ganhou um aprisco (lugar para criação de bodes) e, via convênio com doação de terreno de oito hectares, seria usado para a plantação de palma e assim teria maior tecnologia para a criação de cabras, bodes e ovelhas.
O aprisco nunca foi usado e o terreno está com três hectares desmatados. Ambos serviriam para o segundo momento do projeto Repalma. “Aqui nunca entrou um bode porque pedimos uma cisterna de plástico para dar água aos bodes e cabras”, revelou Osvaldo Mamédio.
“Que tal ouvir a comunidade? Que tal colocarem energia solar ou um gerador? Ou então usarem energia eólica via cata-vento?”, questionou o técnico agrícola Juvaldir Adelino Luz, que tem ajudado os moradores de Abelha Branca em projetos de desenvolvimento.
Indagados se não acham que é desperdício de dinheiro público já ter sido feito tanto e pouco ser utilizado, Juvaldir Luz e Osvaldo Mamédio concordam, mas também destacam o quanto a comunidade pode se desenvolver caso seja contemplada com o projeto. Ambos já apresentaram documento recorrendo da decisão da inabilitação do projeto por causa da falta de energia elétrica.
CODEVASF CULPA DESABILITAÇÃO DE PROJETO DA COMUNIDADE ABELHA BRANCA EXCLUSIVAMENTE À FALTA DE ENERGIA ELÉTRICA
Em comunicado da 7ª Superintendência da Codevasf, em Teresina, assinado pelo responsável pelo órgão no estado, Inaldo Pereira Guerra Neto, há a confirmação tácita de que Abelha Branca perdeu sua inserção de recursos no Projeto Repalma por causa da falta de energia elétrica.
“A inabilitação da implantação do projeto de produção de palma forrageira para multiplicação-REPALMA, na comunidade Abelha Branca, Município de Paulistana-PI, deveu-se a esta comunidade, infelizmente, não atender a uma das exigências técnicas necessárias para o funcionamento e viabilização do empreendimento, ou seja, não há rede elétrica no local para instalação do poço e funcionamento do sistema de irrigação constantes do Projeto. Esclarecemos também que o projeto licitado e já contratado não prevê alterações para soluções alternativas (gerador, energia solar etc)”, revelou o comunicado.
A Codevasf informou que a comunidade foi uma das 40 do Piauí a concorrer ao projeto. Dessas, 30 foram beneficiadas. Havia três critérios para a habilitação e seleção de propostas: questão fundiária (com regularização das terras abrangidas), social (se realmente havia organização comunitária das associações envolvidas) e técnica (se há água perto, solo adequado, água e energia elétrica). Em duas delas (as primeiras), Abelha Branca tirou as melhores colocações, mas, justa, e exclusivamente, por conta da falta de energia elétrica ficou de fora.
A Associação de Moradores de Abelha Branca já tentou recorrer da decisão da Codevasf, inclusive tentando apresentar outras alternativas à falta de energia elétrica, como seria o caso de utilização de placas de energia solar e até de energia eólica (via cataventos). Mas receberão negativas, já que o edital do Repalma prevê exclusivamente a utilização de energia elétrica. Mas, a própria Codevasf diz que não pode mudar o edital do projeto, correndo o risco de ser responsabilizado por desvio de certame, passível até de demissão.
A Companhia esclarece que a parceria de outros projetos com Abelha Branca continua mas que no caso do Repalma está encerrado. Tacitamente a comunidade perdeu os recursos por não ter sido beneficiada pelo Luz Para Todos.
A entrada da Superintendência da Codevasf (no Centro Sul de Teresina – anexo ao prédio da Delegacia do Ministério da Agricultura) traz uma série de painéis, estilo “antes e depois” mostrando as importantes ações do órgão no estado. Um deles traz a frase “O Piauí virando a página”, mas, ao menos para Abelha Branca, a página continua aberta e quase dobrada, com sinais de emperramento. Quem sabe com a energia elétrica não figure em mais um dos painéis mostrando o antes, na escuridão, e o depois, com energia e desenvolvimento social?
Fonte: O Olho