Neste ano, pela primeira vez, os candidatos às eleições puderam identificar sua orientação sexual no registro de candidatura. Contudo, no Piauí, a maioria optou por não registrar a sexualidade e, dos que informaram, menos de 1% se identificou como LBGTQIA+.
O número, segundo pesquisadores, não representa a realidade. Ao g1, o doutorando em direito e membro da Aliança Nacional LGBTI+, Marcos Heleno, afirmou que existirem números candidatos, inclusive políticos já eleitos, que são LGBTQIA+, e preferem não revelar sua sexualidade.
“Eles preferem permanecer ‘no armário’ devido ao receio de perder apoio de suas bases eleitorais religiosas e conservadoras, e não serem eleitos. Mais ainda, as pessoas abertamente LGBTQIA+ têm sofrido com falta de apoio partidário, financeiro, e com o sistemático ataque estigmatizante dos adversários e grupos que se baseiam na intolerância à diversidade sexual e de gênero”, explicou.
Em um universo de 8.913 candidatos no Piauí, 5.195 (58,29%) optaram por não divulgar a orientação sexual. Dos 3.718 (41,71%) que declararam, 3.681 (99%) se identificaram como heterossexuais e 34 como LBGTQIA+, sendo 14 (0,38%) gays, 11 (0,3%) lésbicas e nove (0,24%) bissexuais. Juntos, eles representam 0,92% dos candidatos aos cargos eletivos nas Eleições 2024.
“Por convicção íntima, ou, infelizmente, em virtude de crendice religiosa, ou, ainda, devido à violenta intolerância que ainda persiste no seio social e nos locais e bases onde as candidatas, candidates e candidatos buscam obter o voto de seu eleitorado, nem todo indivíduo, em especial, o LGBTQIA+, está disposto a revelar questões atinentes à sua sexualidade”, disse o pesquisador.
Marcos Heleno ressaltou que a subnotificação também pode ter ocorrido por ser a primeira vez em que existe essa opção e nas próximas eleições, por exemplo, pode haver a percepção de que esse direito é uma conquista de fato, também do ponto de vista social, por informar mais a sociedade.
“Os dados de orientação sexual permitem fazer com que o eleitorado LGBTQIA+ veja que também tem a possibilidade de votar ou de se candidatar e, quem sabe, ao ser eleito, atuar como representante político, como qualquer outra pessoa da sociedade, mesmo tendo sexualidade diversa”, explicou.
O pesquisador afirmou que essa é uma política pública eleitoral que a Constituição Federal de 1988 impõe à Justiça Eleitoral, e que visa retirar esse grupo da excludente e inaceitável invisibilidade política.
“É um importante instrumento didático de dizer para o restante da sociedade que as Eleições permitem e requerem o envolvimento de todas as pessoas, inclusive daquelas que possuem sexualidade diferente do que era considerado padrão e único existente”, explicou.
“Não é raro, um candidato heterossexual tradicional fazer propaganda se dizendo casado e mostrando sua esposa e filhos e filhas. O mesmo deve valer para um homossexual que ao expor seu matrimônio com seu esposo e filhos e filhas, expõe um atributo e vínculo positivo, como uma forma de buscar demonstrar ser uma pessoa digna e capaz como qualquer outra”, completou.
Marcos Heleno acredita que a inclusão deve se expandir e ser utilizada, no futuro, para identificar também a orientação sexual dos eleitores ao obterem o título eleitoral, como aconteceu com o nome social e a identidade de gênero, que inicialmente só eram possíveis no registro de candidatura.
“É papel da Justiça Eleitoral fortalecer a democracia brasileira. Não há como criar políticas públicas de incentivo à inclusão e reconhecimento da cidadania de grupos severamente banidos do universo eleitoral e político, sem saber quem são, se existem, ou seja, sem contabilizá-los”, pontuou.
O pesquisador destacou que a conquista da identificação da orientação sexual nos registros de candidatura é apenas o começo. “Ainda há a necessidade de muito esforço, luta e pressão por parte da sociedade e do Estado a fim de fazer valer a ideia de que candidaturas de pessoas LGBTQIAPN+ também podem ser uma escolha viável, tanto quanto pessoas de sexualidade tradicional”, declarou.