27.2 C
Jacobina do Piauí
3 de julho de 2025
Cidades em Foco
DestaqueGeralInternacional

Legado vivo de Niède Guidon: Marrian Rodrigues, de aprendiz a líder do Parque Serra da Capivara

Foto: Yala Sena

A trajetória de Marrian Rodrigues, de aprendiz, doutora em arqueologia a chefe do Parque Nacional Serra da Capivara, é um testemunho vivo do legado educacional da arqueóloga Niéde Guidon, que morreu na última quarta-feira (4) em sua residência no município de São Raimundo Nonato.

A arqueóloga, que revolucionou os estudos da ocupação humana na América, se empenhou, arduamente, não só para preservar as inscrições rupestres, a natureza, a história da humanidade, mas também com a educação dos meninos e meninas da região.

Foto arquivo pessoal

Na década de 90, com ajuda de organizações da França criou uma escola por tempo integral para alfabetizar filhos e filhas dos moradores do entorno do parque. Niède realizou várias ações sociais com crianças. Chegava, ela mesma, a fazer tortas no domingo para distribuir para as crianças do projeto social.

Marrian conviveu com Niède desde pequena. Aos 7 anos, ela lembra que certa vez, vários meninos e meninas tinham curiosidade para saber o que ela guardava tanto no quarto da hospedaria da dona Delfina, onde ficava. Uma vez, a arqueóloga os chamou e deixou eles entrarem no quarto. “Fizemos uma fila, um a um entrava no quarto e ela mostrou um esqueleto, todo mundo entrou no quarto achando que ia ver ouro, um tesouro, e era esqueleto. Ela explicava o que era, o que estava fazendo. Desde esse tempo, ela tinha preocupação que a gente entendesse seu trabalho”, disse Marrian emlágrimas.

Incentivada por Niède, Marrian foi assistente de projetos, se dedicou aos estudos, se formou em magistério e fez doutorado em arqueologia.

“Comecei como aluna, aprendiz, assistente, professora, coordenadora e nesse universo ela sempre incentivou a todos a estudar. Ela fazia concurso de leitura, passava os livros, textos e dizia: vai todo mundo ler e fazer uma redação e ela corrigia a redação, mandava para os amigos dela corrigir e se tivesse uma vírgula fora do lugar, já estava reprovado. Todo mundo ficava com muito medo da correção e ela oferecia prêmios como livros, bicicletas. Ela mudou não só a minha vida, mas de muita gente”.

A chefe do Parque conta que quando passou para o mestrado em Portugal foi feliz contar para Niède e ela disse: “Só volte aqui com o doutorado. Eu fiquei muito magoada com ela (disse em meio a risos e lágrimas). Pensei: o que ela quer de mim? o mestrado é algo que nunca imaginei fazer, vou pra fora do Brasil, nunca sair daqui, deixar meu filho e meu marido para fazer o mestrado, que ela tanto me incentivou e ela me diz pra voltar só em sete anos. E eu fui, seguir, mesmo sofrendo, eu seguir, eu queria mostrar para ela que eu era capaz”, disse.

Marrian conta que tudo que publicava durante o doutorado enviava para Niède e mesmo de longe a arqueóloga puxava as orelhas dela. “Às vezes ela me reclamava, me dava uma bronca e hoje eu sei como foi valioso ela ter me empurrado, mesmo eu sem querer ir, e ela dizia: ‘você quer ser professorinha primária para o resto de sua vida’ e eu falei: ‘quero, quero ficar aqui’ eu não quero ir embora’. Eu fui e quando voltei ao Brasil, fui trabalhar em outros  lugares  e quando o parque passava por dificuldade de gestão eu fui convidada para assumir a chefia do parque, já estava com mestrado, doutorado, já tinha currículo e ela referendou a minha entrada no parque e referendou até o último dia”, disse Marrian que lembrava emocionada.

A história de Marrian Rodrigues, 47 anos, não é apenas sobre ascensão profissional, é sobre a perpetuação de um ideal. Niéde Guidon investiu profundamente na educação e na formação de pessoas da própria comunidade, entendendo que o futuro do parque dependia da capacidade e do engajamento de seus habitantes. Marrian Rodrigues é um dos frutos mais notáveis desse investimento. Sua ascensão demonstra o sucesso de um modelo que integra o desenvolvimento local com a conservação ambiental e cultural.

Foto: Yala Sena 

Hoje, no alto escalão do Parque Serra da Capivara, Marrian Rodrigues não é apenas uma gestora. Ela é a materialização da “herança educacional” de Niéde Guidon, um símbolo de como o conhecimento, quando compartilhado e cultivado, pode transformar vidas e comunidades inteiras, assegurando que o patrimônio da Serra da Capivara continue sendo cuidado por aqueles que o consideram seu lar.

“O nosso farol se apagou aqui na Terra, mas continuará a nos guiar de outro plano. O legado da doutora Niede Guidon precisa ser preservado com responsabilidade e respeito à grandiosidade de sua trajetória. Sua coragem e determinação não podem ser esquecidas — ao contrário, devem seguir inspirando novas gerações. O projeto que ela construiu com tanto empenho deve continuar, sem interrupções. No que depender de mim, honrarei cada ensinamento que recebi dela, colocando em prática tudo o que aprendi ao seu lado”, disse Marrian em homenagem em sua página na rede social.

Fonte: CidadeVerde

Notícias relacionadas

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Se você está de acordo, continue navegando, aqui você está seguro, mas você pode optar por sair, se desejar. Aceitar Leia mais